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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Rock Vibrations Entrevista: Quilombo

 

Através da parceria com a Sangue Frio Produções trazemos até você leitor mais uma entrevista bem bacana, com conteúdo de sobra.

Em um longo bate papo com Panda Reis, músico da banda Quilombo, conversamos sobre seus conceitos, músicas de trabalho, dentre outras curiosidades bem legais e claro, opiniões verdadeiras de quem luta por ideais diariamente.

Confira logo abaixo:

1. Como tem sido lidar com a pandemia e os projetos com a banda? Muitas coisas foram adaptadas?
Panda Reis – Cara, como tudo na vida humana, com a pandemia tem sido bem estressante, preocupante e meio sem muitos planejamentos por conta da incerteza que paira no mundo a respeito de tudo, então a gente planeja algumas coisas, mas com muita cautela e pés nos chãos, porém como a banda não é uma banda que existe para tocar ao vivo, meio que estamos conseguindo seguir os planos iniciais, lógico que dificulta muito pra conseguir ensaiar, e conseguir divulgar o material físico, pelas limitações impostas pela pandemia, então resolvemos focar nos vídeos e na versão digital do EP “Itankale”, mas acredito que não tivemos grandes mudanças fora isso, mas claro que isso se deve só ao fato de a banda já ter nascido com a ideia de não se apresentar ao vivo.

2. Quando tive meu primeiro contato com a banda, logo pude perceber que estavam realmente engajados a mostrar temas que fazem a diferença e de uma maneira bem pessoal, mas também mostram uma visão verdadeira, sem digamos “manipular” a história.
Panda Reis – A ideia foi justamente essa, pois os assuntos que abordamos nas letras e todo o contexto temático da banda, já são verdadeiros por si só, basta à narrativa histórica e a veracidade da visão abordada fica clara e evidente, porém é sabido como a história foi tratada desde sempre no mundo ocidental e principalmente no Brasil, falaciosamente inventaram e mascararam as coisas e os fatos, para justificar ações e atitudes absurdas, desumanas, que sempre visaram à expansão e a manutenção do poder do capital e a dominação de nações por nações, porém graças a novos pensadores e historiadores fora desse eixo ditatorial do conhecimento, e a multidisciplinaridade, podemos finalmente ter uma visão e um panorama mais fiel e uma nova versão, mais verídica dos fatos que ocorreram na humanidade, essa maneira de pensar e estudar a história minimiza as manipulações.

3. Quais os principais propósitos em direcionar a galera com suas mensagens? Vejo um conteúdo vasto muito importante sendo feito pela banda.
Panda Reis – Ah mano, o propósito é o mesmo das nossas lutas político/social, mostrar a verdade dos fatos, que a história oficial é baseada nos que ás conta, ou seja, os vencedores, os opressores, invasores, mostrar para uma pequena parcela da população (aqueles poucos que tem contato com a nossa música e as letras) que não é porque eles contaram é a verdade absoluta. 

Eu sou um aficionado em História e estudo a disciplina há anos, porém há poucos anos que as vozes dos excluídos começaram a ganhar voz e reverberar pelo mundo, acho importante que as pessoas possam começar a notar a contradição das histórias que eles contam que percebam as manipulações históricas para legitimar a dominação e exploração dos “donos do mundo” sobre os demais povos, que por anos não podiam contar suas versões e nem ao menos questionar as mentiras ditas e legitimada pelo Sistema.

4. “Itankale” precisou de muito tempo para ser finalizado? Ficou tão bom que observando rapidamente, penso ter sido algo trabalhoso e com muita dedicação... inclusive, nos fale um pouco mais sobre a ligação dos temas com a sua arte...
Panda Reis – Levou o tempo necessário se tratando de músicas que vão alem da música pesada underground, pois tem samplers, vinhetas e instrumentos de percussão, isso naturalmente leva um tempo para se alinhar e deixar tudo homogêneo, porém a gente toca death / hardcore, mas gostamos de muitos estilos musicais, então foi até que natural quando começamos a compor e colocar tudo na música da banda. 

Diria que demorou mais para a gente conseguir se juntar para gravar do que criar as músicas, pois todos tocam em outras bandas e o percussionista é bem ocupado e nem mora aqui em São Paulo. 

Os temas fazem parte da minha vida, irmão, sou um militante do movimento negro independente, militante do anarquismo/autogestão, além de toda a minha formação acadêmica e pós e extensão literária, é justamente nessa área de estudo, então pra gente não foi difícil, concordo que após o trampo pronto, ouvindo hoje, me surpreendo como tudo combinou perfeitamente e como conseguimos deixar a cosa bem homogênea e não tão “forçado” como alguns já fizeram saca?? Não desmerecendo os trampos de ninguém, mas não queríamos mais um P9 ou Roots (que respeito muito), e sim que os ritmos ancestrais se combinassem perfeitamente com o metal que fazemos, acho que dessa vez funcionou bem, o desafio será para o próximo, pois queremos nos aprofundar mais nessa simbiose underground.

5. Mesclar o lado extremo com temas fortes foi uma boa sacada e certamente isso é um dos grandes destaques do Quilombo, mas, como você vê o apoio de mídia especializada? É claro que muitas coisas são complicadas por não termos um nicho tão exacerbado na grande mídia, o underground sempre impera para o Rock/Metal no Brasil e em alguns países europeus por exemplo, mas você enxerga que está recebendo o que esperava?
Panda Reis – Nunca procurei apoio da mídia especializada, nem com as outras bandas que toco ou toquei, pois, a mídia, por mais honesta e especializada que seja a maioria é viciada no tradicional padrão metal ocidental, e isso não nos interessa. Por não esperar nada do padrão underground, o que vem acontecendo com o “Itankale” já tá acima do esperado (risos), mas confesso que alguns comentários como do Mano Brown ou de pesquisadores que nem curte esse som, me deixou mais orgulhoso, pois esses eu jamais imaginei que alcançaríamos, claro que a receptividade dos bangers e punks que são antirracista, antifascista me orgulham por perceber que tem vida inteligente no underground (risos), pois pelo menos por esses lados aqui, teve uma pá de banger/punk que se demonstraram fascistas, racistas e xenofóbico, o que me deixou bem decepcionado com alguns caras e bandas.

6. Já que falamos sobre apoio, como você vê o que anda acontecendo em meio as divulgações digitais? É nítido como isso ajudou o mundo a se socializar com sua banda e projetos, hoje em dia você praticamente envia sua música para o Polo Norte sem sair do seu quarto, eu tive a oportunidade de entrevistar bandas do Nepal, Chipre, locais que não vemos geralmente falar muita coisa sobre música (quanto mais Rock), mas e o lado físico? Eu sou colecionador e realmente aprecio o material (inclusive tenho uma cópia de seu registro)... 
Você acha que isso irá acabar, ser barrado de alguma forma? Outro fator que infelizmente acontece é o das novas gerações não ligarem para o CD/DVD e ainda não ouvirem um disco completo no streaming, e é aí que penso: como as bandas vão tirar algo com isso se as plataformas não forem também proveitosas?
Panda Reis – Cara esse assunto é bem delicado... pois facilitou demais sim, porém o independente se perde nisso tudo, pois os donos dessas plataformas agem como os gravadores agiam, monopolizam a arte e a limitam ao digital, confesso que ainda não sei bem como agir nessa realidade, esse EP mesmo nos recusamos a colocar nas plataformas de streaming, nos limitamos ao YouTube e ao Bandcamp, mas focamos mesmo no físico, no CD mesmo saca? A ideia era ter colocado pôster, adesivos junto com o CD, mas não tínhamos grana para isso e a gravadora também não (sendo que é um selo anarquista que não visa e não tem lucro algum, basta ver o valor que vendem o nosso material e os custos que tiveram para fazer o mesmo). 

Cara, tem bandas que esperam tirar algo dessas plataformas, mas se for lucros nem rola, agora se for alcance, até é possível, como o Quilombo não faz questão de multidões e nem ser ouvido por idiotas de extrema direita e preconceituosos diversos, está bom à gente atingir as 500, 1.000 pessoas que estamos alcançando... já no futuro lançamento eu sinceramente não sei se permaneceremos com CDs e fora do streaming ou se podemos colocar o material lá? Sinceramente ainda nem pensei nisso!!! 

Quando terminarmos de compor e gravar a gente senta com a gravadora e vamos ver o que decidimos, mas para mim eu queria era que saísse em vinil, K7... quem sabe!???(Risos)

7. Sobre conteúdo visual, pensa em criar algo para os próximos meses? Por exemplo, lyric video com conteúdo de algum single ou conceitos que sejam de acordo com as mensagens que a banda produz?
Panda Reis – Então, lançamos o vídeo para “Melanina”, que foi super bem aceito até nos meios fora do nosso estilo, claro que não pela música, mas sim por causa da temática do vídeo, a qualidade na linguagem visual e por aí vai, estamos nesse momento trampando em um novo vídeo, mas ainda não sei quando vai ficar pronto. 

Estive pensando em um single sim, isso porque tenho uma vontade absurda de fazer algo com o Boy (Rappers da Vila Campestre) e escrever um som que fizesse uma ponte entre os dois mundos, mas sinceramente não sei se vai rolar isso não!? 

Somos uma banda que existe para passar a mensagem antirracista, anticapitalista e que não se preocupa com coisas que as bandas tradicionais se preocupam. 

Tem o lance das responsabilidades extra banda, como estudar pesquisas e envolvimentos em grupos de luta social e política e o momento do Brasil e do Mundo tem requerido mais minha atuação em outros campos do que só a música, então falta tempo pra sentar, compor, escrever algo nessa linha, estamos começando a pensar em um novo material mas não sei se será um single outro EP ou um full length, devemos voltar a ensaiar nas próximas semanas, pra começar a compor, mas não sabemos que formato terá.

8. Outro ponto que acho muito relevante é o de vocês não se posicionarem exatamente sobre tal ponto de governo/política e sim, mostrar um lado interessante e sem tendências para contar fatos. Hoje é quase impossível não se deparar com tantas brigas nas redes sociais por questões básicas como ter opinião sobre determinado assunto, as pessoas brigam porque um gosta de azul e outro não. No final das contas, a discussão é tão grande que mal percebem que as vezes a pessoa do outro lado da tela tem só 15 anos e apenas replica o que viu ou ouviu na TV . Como você lida com isso tendo em base mensagens que de certa forma são discutidas por vezes em grupos de pessoas que não necessariamente possuem embasamento? Acho aliás que vocês fazem um trabalho neste caso, muito legal e informativo.
Panda Reis – Como diz o título do meu livro lançado no final do ano passado (2019), “O Problema é o Tabuleiro, Não as Peças”, foda-se quem tiver lá no comando da máquina de destruir vidas, todos eles são empregados do sistema e jamais irão trabalhar de outra maneira, claro que alguns são mais genocidas e maldosos que outros, mas nenhum deles trabalhará para o povo, não nesse sistema, não nesse tabuleiro. 

Mano, pode parecer arrogância minha, mas não discuto com quem não sabe do que está falando, que tem como base o achismo, aqueles que são formados via Facebook e Twitter... vagabundo até pouco tempo atrás se denominava apolítico, batia no peito e falava que não gostavam de política e essas merdas todas, agora quer falar de política comigo ?? Vai tomar no cú né mano... dou nem atenção não irmão. 

Vinte anos de estudos e pesquisa na área servem para repassar humildemente, para quem está afim de escutar e tem humildade para escutar, debater é preciso, mas por favor, tem que ao menos saber o que se está defendendo, é foda ver tanta ignorância, falta de inteligência mesmo, me diz se devo levar a sério quem acha que a Terra é plana ?? Que acha que a Ditadura foi bom ?? Que defende que a escravidão foi boa para nós Pretos ?? Que fala que aqui não tem racismo?? Que fala de meritocracia no Brasil?? 
Não mano... perco meu tempo não (risos).

9. Em algum momento passou pela mente da banda que seria difícil tentar encarar um público específico para lidar com suas mensagens? Pensaram de repente em moldar algumas coisas para que não fossem mal interpretados ou acreditam que sua mensagem possa trazer questionamentos positivos aos que ainda insistem no preconceito barato e sem valor algum?
Panda Reis – Não. Nunca passou isso pela minha cabeça não ... difícil é nascer, crescer e morar na favela com Polícia te tratando como inimigo mortal, difícil é ser Preto no País mais racista das Américas, encarar o público é fácil para caralho, ainda mais quando você tem segurança no que está falando, está ligado? Interpretação nessa país tá complicado em qualquer área ou tudo que for dito , mano ... os manos não tão conseguindo interpretar nem o Big Brother (risos) natural que os “do lado de lá”, não teriam capacidades de interpretar o que falamos, então não moldamos nada, nunca fiz isso na minha carreira inteira, escrevo pra um grupo bem pequeno de pessoas, eles me entendem, eles sabem interpretar–me e também ao Mundo, nunca tive pretensão de mudar nada pra agradar ninguém, sou um porta voz da verdadeira História da humanidade, que vem sendo escrita, contada e interpretada por gigantes pensadores (as) há milênios, bebo direto na fonte, e aconselho que se queira realmente aprender, vá atrás dos gigantes pensadores, eu apenas conto o que aprendi deles.

10. Quais são os próximos planos? Pretendem investir em algo específico nos próximos meses?
Panda Reis – Então ... tem o vídeo novo que tá sendo produzido, estou começando a escrever as letras e conceitos para o próximo trampo da banda, a ideia é gravar algo esse ano e lançar esse ano ainda, mas vamos ver se vai rolar mesmo, pois esse ano vai ser complicado também, a prioridade é se manter vivo em meio a uma pandemia e em um País governado por um genocida nazifascista que vem tentando exterminar os pobres, os pretos, os LGBTQ+, os nordestinos ... é se manter vivo e não se contaminar com tanto ódio no ar, tanto rancor, tanta mediocridade, desumanismo e tantos seres medíocres do poder e nas ruas. 

Sei que pode parecer um puta de um papo chato pra caralho, mas me perdoa, pra gente não existe música, underground ou Quilombo sem esses assuntos saca? 
A gente vai tentar se manter vivo e sem se contaminar com tanto ódio, maldade e aí lançar uns baratos na bola de meia, sem correr, pois não temos compromissos contratuais com ninguém que nos obrigue a produzir. 

Tem também as outras bandas que tocamos e estão compondo ou gravando material novo e alguns lançando trampo novo e merecem atenção, mas esse ano a gente começa a gravar, espero que saia ainda em 2021.

11. Obrigado pela oportunidade e atenção, gostaria de deixar um recado final?
Panda Reis – Irmão , sem palavras pra agradecer a oportunidade, peço mil desculpas se pareci pessimista ou mal humorado, mas é que a realidade em 2021 requer papo reto, sem máscaras, não é mau humor, é indignação a aonde chegamos como humanidade o retrocesso em que nos encontramos, mas apesar disso tudo eu realmente acredito que conseguiremos sair desse buraco, que as novas gerações serão melhores que a gente e que esse período será lembrado e estudado com nojo, cabe a nós seguir lutando e criando jovens e crianças pensantes, que possam amar o próximo e escolher melhor as coisas daqui pra frente. 

Obrigado pela oportunidade, desculpa falar a verdade assim sem filtro, acreditem que tudo vai melhorar, mas façam algo para que isso possa acontecer, não escute seu presidente, não acredite nesses doentes fundamentalistas religiosos e não deixem o rock virar tudo aquilo que a gente sempre odiou! 

Espero que a gente possa se ver por aí em alguma GIG (se tiver alguma nesse ano), espero que todos vocês sobrevivam e consigam ser felizes! 

Abraço para todos e todas, acreditem... 
Tudo e todos eles irão passar.


Leia o nosso review do E.P. Itankale clicando aqui

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